sábado, 10 de janeiro de 2015

Discriminação religiosa preocupa comunidade muçulmana após atentado em Paris


Danilo Macedo - Repórter da Agência Brasil* 

A reação de algumas pessoas após o atentado (7 de Janeiro de 2015), na sede do semanário satírico Charlie Hebdo, em Paris, que matou 12 pessoas, e a forma como alguns comunicadores relacionam a questão religiosa ao crime levam preocupação à comunidade muçulmana na França e em outras partes do mundo. Para o xeque brasileiro Ali Mohamed Abdouni, presidente da Assembleia Mundial da Juventude Islâmica (Wamy) no Brasil, os ataques a duas mesquitas na França após o atentado terrorista elevam o temor de uma onda de “islamofobia” e perseguição.

Abdouni disse que a comunidade muçulmana condena veementemente o atentado ao jornal e que aqueles que praticam atos terroristas não representam o Islã, nem os muçulmanos.

“Os suspeitos têm de ser presos, julgados e punidos, se realmente foram eles que fizeram isso. Por outro lado, não podemos permitir que uma onda de perseguição, de preconceito e discriminação religiosa cresça, porque, junto com a comoção emocional, vêm esses atentados às mesquitas, e isso vai prejudicar a estabilidade social e pode colocar em perigo milhões de pessoas adeptas de uma religião”, disse o xeque à Agência Brasil.

Segundo Abdouni, a comunidade muçulmana considera ofensivas as charges sobre Maomé publicadas pelo semanário francês, mas é contra qualquer forma de violência para resolver a questão. 

“Apesar de não concordar e de não aceitar as charges ofensivas, porque elas são religiosas e tratam de uma figura sagrada dentro da religião islâmica, não concordamos que seja resolvido assim. Existem as formas legais para isso.”

O xeque ressalta que o próprio nome Islã vem da palavra salam, que significa paz. 

“A religião islâmica vem para selar a paz e é isso que é seguido pela grande maioria dos muçulmanos: a questão da paz, da tolerância, do respeito, de respeitar o direito do outro, ter consideração pelo outro, se colocar no lugar do outro”, explica. 

O problema, segundo ele, não está no Islã, mas na presença de fanáticos, o que também existe em outras religões. 

“Essas pessoas acabam entendendo e interpretando passagens divinas de uma forma particular delas, e não representam nem o Islã nem os muçulmanos.”

O presidente da Wamy no Brasil lembra que uma das vítimas do atentado de ontem era muçulmana. Ahmed, incumbido de fazer a segurança no bairro onde fica a redação do Charlie Hebdo, era muçulmano e foi assassinado a sangue frio, com a imagem do crime filmada por celulares de pessoas que se escondiam no alto do prédio e divulgadas em todo o mundo. 

Abdouni também alerta para a forma como o tema é abordado por algumas pessoas, muitas vezes com preconceito disfarçado de falsa tolerância.

“As palavras têm poder, então temos que tomar muito cuidado, porque, quando falam que o Islã também tem pessoas de bem, parece que a regra geral é o terrorismo, mas é o contrário. A regra geral é a paz, é a solidariedade – basta ver 14 séculos de contribuição dos muçulmanos para a civilização. Não podemos julgar um grupo por essas pessoas, nem tachar isso de terrorismo islâmico. Dessa forma, estamos criando mais preconceito e não estamos informando de forma alguma”, afirmou.

Para evitar reações isoladas e intolerância, o governo francês vem pedindo unidade à população. Em Brasília, junto com funcionários e frequentadores da Embaixada da França, após um minuto de silêncio em homenagem às vítimas, o embaixador francês Denis Pietton lembrou que há décadas o país é alvo de terroristas contrariados com seu “compromisso inflexível” com a liberdade e a diversidade. 

“Estamos e permaneceremos de pé, como povo e indivíduos. E devemos permanecer juntos, porque os valores da República francesa - Liberdade, Igualdade e Fraternidade -, que nos unem, são muito mais fortes do que as nossas divisões de qualquer natureza”, disse o embaixador.

Apesar da preocupação de organizações muçulmanas com a “islamofobia” e a xenofobia,moradores de Paris entrevistados pela Agência Brasil consideraram pouco provável que a população francesa reaja aos ataques responsabilizando estrangeiros ou grupos religiosos.

“Principalmente em Paris, onde é grande o número de estrangeiros, a maioria das pessoas entende que a violência é a manifestação de uma minoria radical”, disse o empresário norte-americano naturalizado brasileiro Glen Homer.

A jornalista francesa Karima Saidi acrescentou que, como os terroristas ainda não foram presos e suas motivações reais não são conhecidas, o principal debate entre os franceses, no momento, diz respeito aos limites da liberdade de expressão.


*Colaborou Alex Rodrigues 
Edição: Luana Lourenço
Fonte: www.agenciabrasil.ebc.com.br

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