quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Presa família que se converteu ao cristianismo no Egito

Uma família completa foi sentenciada a 15 anos de prisão por se converter ao cristianismo na cidade egípcia de El Beni Suef, 115 km ao sul do Cairo. 
Nadia Mohamed Ali Mohab e seus filhos, Maged, Sherif, Amira, Amir, e Nancy Ahmed Mohamed Abdel-Wahab. As outras sete outras pessoas envolvidas no caso foram condenadas a cinco anos de prisão.
Nadia Mohamed Ali, uma mãe de oito filhos, nasceu cristã, mas se converteu ao Islã para se casar com seu marido Mustafa Mohamed Abdel-Wahab. Depois de sua morte, em 1991, ela decidiu voltar à sua religião original com seus filhos, segundo informações do Acontecer Cristiano.

O caso da família de Nadia começou em 2004, quando, após a conversão, ela e seus filhos decidiram mudar seus nomes muçulmanos em seus cartões de identidade com seu nome e cidade de mudança de residência. Para fazer isso, tiveram a ajuda de sete funcionários do Escritório de Registro Civil.
Em 2006, um de seus filhos foi preso pela polícia que, suspeita pelos documentos, levou o jovem que havia mudado seu nome para Bishoy Malak Abdel-Massih. Naquela época os policiais o interrogaram por horas até que ele confessou sua conversão ao cristianismo. Os juízes decidiram então prender a mãe e todos os seus filhos, além dos sete funcionários do escritório de registro civil.

A lei islâmica, Sharia, é a base da nova Constituição egípcia, o que torna punível com a pena de morte a apostasia. Porém os juízes afirmam terem usado de “benevolência” para condenar a família apenas à prisão.

Fontes: Gospel Mais
             Google Imagens

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Pastor continua preso injustamente no Togo


Pastor Antonio dos Anjos Monteiro e outros dois cristãos presos injustamente no Togo devem ser alvo de nossas orações.

Advogados e  defensores de direitos humanos pedem a libertação imediata de um pastor adventista preso no Togo, acusado falsamente.
Antonio dos Anjos Monteiro foi detido em março de 2012 acusado de conspiração e assassinato, depois que um homem togolês o acusou, juntamente com outros dois cristãos.
Antonio dos Anjos Monteiro, mostrado aqui em uma foto de arquivo, está atualmente em uma prisão de Togo.
 O acusador já havia confessado o assassinato de cerca de 20 jovens, alegando que ele trabalhava para um esquema criminoso que era o  tráfico de sangue humano. O homem encontrou Monteiro quando o pastor anteriormente serviam.
Monteiro é natural de Cabo Verde, país de Língua Portuguesa.  Apesar de uma busca policial na casa de Monteiro e na sede da igreja local não encontraram nenhuma prova que o incriminasse.
“A acusação de que um pastor contratou alguém para assassinar meninas e depois traficar seu sangue é bizarro, fantasioso e falso”, disse Todd McFarland, um advogado da denominação.
A pressão pública para resolver uma seqüência de assassinatos em 2011, contribui para que Monteiro continue preso. Antes de sua prisão, grupos de direitos humanos acusaram a polícia togolesa de não fazer o suficiente para resolver os crimes que aconteceram.
 Esta é a  prisão civil de Lomé, onde Monteiro está atualmente preso.
A Igreja Adventista internacional está atualmente trabalhando com o embaixador do Togo para ajudar na liberação de Monteiro.
“O embaixador cordialmente me acolheu e prometeu entrar em contato com funcionários de alto nível do gabinete do presidente para facilitar a liberação do Pastor Monteiro”, disse Ganoune Diop, representante da igreja para as Nações Unidas. Diop, que se reuniu com o embaixador em julho, desde então solicitou uma reunião de acompanhamento.
John Graz, Secretário-Geral da IRLA - International Religious Liberty Association, disse que quer que os governos saibam que um Adventista do Sétimo Dia inocente está enfrentando detenção arbitrária e ele não está sozinho.
“Ele tem milhões de irmãos e irmãs ao redor do mundo prontos para manifestações de apoio. Faremos tudo ao nosso alcance para ajudar libertar Monteiro, e estamos confiantes de que a justiça prevalecerá", declarou Graz.
Há mais de 5.300 membros da Igreja Adventista no Togo, e perto de 880.000 na divisão da igreja na África Ocidental e Central.
Monteiro, que foi inicialmente mantido em confinamento solitário na prisão por 14 dias, já foi transferido para a prisão civil de Lomé, onde detidos preventivamente como ele próprio são mantidos juntos com criminosos condenados.
Apesar de as condições carcerárias serem deploráveis, Graz disse que Monteiro permanece “otimista e com boa saúde.”
O dia 1º de dezembro foi dedicado, no mundo todo, a oração e jejum pela libertação do pastor Monteiro e dos acusados injustamente com ele. 
Vamos continuar em oração para que esse servo de Deus seja libertado.
A igreja em âmbito mundial dedicou o dia 1º de dezembro de 2012 a oração e jejum em prol da liberdade destes irmãos que foram presos. A mobilização continua, que todos continuemos nesse espírito de oração, pois desta forma estaremos contribuindo para consolidar o direito de liberdade religiosa. Compartilhe nas redes sociais.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Holocausto: verdade e preconceito


Desde 15 de setembro de 1935, quando foram decretadas a Lei de Cidadania do Reich, a Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemãs e o Primeiro Regulamento para a Lei de Cidadania do Reich - este em 14 de novembro de 1935 (o conjunto dos três ficou conhecido como as Leis de Nuremberg)-, a condição judaica foi transformada numa sub-condição humana na Alemanha e os judeus foram desprovidos de qualquer vestígio de direitos civis. A definição de "judeu" consta do Primeiro Regulamento, Artigo V:

1. Um judeu é um indivíduo que descende de pelo menos três avós que eram judeus racialmente puros. O Artigo II, parágrafo, alínea linha 2 será aplicado. (Art. II, alínea 2: um indivíduo de sangue misto judeu é aquele que descende de um ou dois avós que eram judeus racialmente puros, mesmo que não seja um judeu de acordo com a seção 2 do Artigo V. Avós com 100 por cento de sangue judeu são aqueles que pertenciam a comunidade religiosa judaica).2. Um judeu é também um indivíduo que descende de dois avós puramente judeus:(a) se era membro de uma comunidade religiosa judaica quando esta lei foi editada, ou se integrou a uma, após a edição desta;(b) quando a lei foi editada, era casado com uma pessoa judia ou foi subseqüentemente casada com um indivíduo judeu;(c) é descendente de um casamento no qual um dos cônjuges é judeu, no sentido da seção 1, contraído após a entrada em vigor da Lei para Proteção do Sangue e da Honra Alemã, de 15 de setembro de 1935;(d) é descendente de uma relação extraconjugal que envolveu um judeu, de acordo com a Seção 1, e nasceu ou é filho ilegítimo nascido depois de 31 de julho de 1936.

Não era possível a qualquer pessoa tipificada pelo regulamento, abdicar da sua condição judaica; por conseqüência, conversos ao cristianismo, que se enquadrassem na categoria regulamentar eram considerados judeus. Assim definidos pelos nazistas, inicialmente banidos da vida social e civil da Alemanha e depois dos territórios que caíram sob seu domínio ou influência, depois confinados e exterminados, não importava, se entre eles, houvesse quem se considerava ateu, agnóstico, protestante, católico, comunista, anarquista ou qualquer outra coisa. No livro Mirrors of destruction. War, Genocide and Modern Identity, o historiador Omer Bartov refere um dos inúmeros casos vividos por pessoas que retornaram, por imposição das Leis de Nuremberg, a uma condição judaica que lhes era estranha e distante antes  da chegada de Hitler ao poder:


Bauchwitz, um prisioneiro do campo de trabalho de Stettin, fora batizado quando criança. Quando o comandante do campo decidiu enforcá-lo, ele exigiu ser executado por um pelotão de fuzilamento, em reconhecimento à sua condição de oficial alemão durante a 1ª Guerra, na qual recebeu a Cruz de Ferro de Primeira Classe. O comandante respondeu. "Para mim você é um judeu fedorento e será enforcado como tal". Ao ser colocado no patíbulo,  Bauchwitz, pediu aos demais prisioneiros, "Se vou morrer como judeu, peço a vocês judeus que digam o Kadish depois de mim" (Bartov, 2000:144).[1]

Os nazistas enfrentaram problemas técnico-jurídicos com aqueles que tinham o status de "terceira-raça", os mischlinge, muitos dos quais pertenciam a uma '"primeira classe" e estavam integrados a famílias alemãs "puras", logo pretendiam ser quase arianos. Houve doze decretos posteriores editados para tratar desse assunto - objeto de discussão também em Wannsee (ver abaixo), nos quais foram introduzidas as categorias de mischlinge de ordem 1 (descendentes de um avô judeu) e 2 (descendente de dois avós judeus, não pertencente à religião judaica e não casado com um judeu até 15 de setembro de 1935). Para a quase totalidade desta terceira raça, a solução foi o isolamento civil, depois o aprisionamento em asilos e, ao fim a deportação e o extermínio. Houve milhares de mischilinge, por decretos conhecidos como normas de libertação, que foram arianizados e alguns chegaram mesmo a exercer cargos na alta burocracia nazista, além de milhares terem servido no exército e mesmo nas SS.[2]

Agora passemos aos números. Há um certo momento em que a discussão sobre o Holocausto é colocada em escala numérica. A primeira constatação a ser feita sobre esse tipo de parâmetro analítico é que não há um número exato de vítimas, e a razão para tanto é simples: o genocídio foi praticado em escala total. Jamais houve condições para estabelecer um número definitivo porque é impossível identificar individualmente todas as vítimas do Holocausto. A metodologia de escala, pode, por isso, oscilar. O número levado ao tribunal de Nuremberg foi de 6 milhões de judeus. Mas, depois de iniciado com políticas de segregação e isolamento, a matança fez, segundo as menores estimativas, com que entre 5,1 e 5,7 milhões de judeus fossem dizimados na Europa. Destes, foram exterminados em "campos de morte" entre 2,7 e 3 milhões (1 milhão em Auschwitz-Birkenau, entre 750 mil a 800 em Treblinka, 550 mil em Belzec, 200 a 300 mil em Sobibor, 150 mil em Kulmhof e 50 mil em Lublin); 150 a 200 mil em campos de trânsito ou de concentração (trabalho escravo) e 150 mil em campos na Romênia e na Croácia; cerca de 1 milhão e 300 mil, em matanças executadas por "tropas especiais" e aproximadamente 800 mil assassinados por isolamento (fome e doenças) em guetos. Em 1939, por exemplo, havia cerca de 3 milhões de judeus na Polônia. Depois de 1945, restaram alguns milhares de sobreviventes.


Em pouco menos de 4 anos, foi assassinada metade dos judeus europeus e mais de um terço de toda população judaica mundial na época[3]. Jamais houve um genocídio deliberada e calculadamente executado de um povo como o que foi praticado contra os judeus europeus. Obviamente, nessa compreensão em escala da II Guerra, é preciso acautelar-se quanto a comparações entre o número de judeus exterminados e o total das vítimas da guerra. 50 milhões de pessoas, entre civis e combatentes, forma mortos durante o conflito, número por si mesmo suficientemente estonteante. Mas apenas os judeus e os ciganos (em escala comparativamente menor) - cerca de 10 por cento deste total-, foram assassinados por uma política genocida. Por si só é trágico constar que cerca de 20 milhões de russos, bielo-russos e ucranianos foram mortos no enfrentamento e em massacres cometidos pelos nazistas. Somente uma viseira ideológica pode fazer com que alguém desconheça a proporção dessa catástrofe e as marcas que ela deixou nesses povos. Assim, é preciso estar atento pararevisionismos inocentes matizados por motivações distintas, que incidem sobre uma matéria carregada de sofrimento humano, para a qual a precisão e o senso de moralidade são, antes de qualquer coisa, impositivos.

O crime e a barbárie

No Julgamento de Nuremberg, (20 de novembro de 1945 a 01 de outubro de 1946), foi usado pela primeira vez, pela acusação, e consolidado pelas sentenças impostas aos hierarcas nazistas condenados, o termo "genocídio", cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin, que morreu em 1959. Lemkin, judeu, na faixa dos 30 anos, fugiu da Polônia quando seu país foi ocupado, após combater na resistência polonesa durante seis meses.

Ferido, escapou para a Suécia, onde afirmou uma carreira universitária na área de direito e relações internacionais, iniciada ainda na Polônia. Em 1941, foi convidado a lecionar nos Estados Unidos, onde continuou a trabalhar em estudos sobre a tipificação jurídica e a responsabilização criminal de assassinatos em massa perpetrados por estados contra populações civis. Lemkin decidira, nos anos 30, estudar o assunto devido ao genocídio armênio. Por suas pesquisas, e então um respeitado jurista e professor da Duke University e da Yale University, foi designado conselheiro legal de Robert Jackson, Promotor-Chefe dos Estados Unidos, na Direção Para Persecução Criminal do Tribunal Militar de Nuremberg. Lemkin também teve participação destacada na redação da Convenção sobre Genocídio, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em 8 de dezembro de 1948, dois antes da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Lemkin cunhou o termo "genocídio", num estudo realizado em 1943 e publicado como livro em 1944:

Novas concepções solicitam novos termos. Por "genocídio" queremos significar a destruição de uma nação ou de um grupo étnico. Essa nova palavra, cunhada pelo autor para denotar uma antiga prática em seu moderno desenvolvimento, é formada pela antiga palavra grega genos (raça, tribo) e a palavra latina cide (assassinato), assim correspondendo, em sua formação a palavras tais como tiranicídio, homicídio, infanticídio, etc. Falando genericamente, o genocídio não significa necessariamente a destruição imediata de uma nação, exceto quando acompanhada de assassinatos em massa de todos os membros de uma nação. Ela pretende antes significar um plano coordenado, com distintas ações, que possui a intenção de destruir as fundações essenciais da vida de grupos nacionais, com o propósito de aniquilação desses grupos. Os objetivos de um plano desse tipo seria a desintegração das instituições políticas e sociais, da cultura, da linguagem, dos sentimentos nacionais, da religião e da existência econômica de grupos nacionais, e a destruição a segurança pessoal, da liberdade, da saúde, da dignidade e mesmo da vida dos indivíduos que pertencem a tais grupos. O genocídio é direcionado contra o grupo nacional como entidade, e as ações envolvidas são dirigidas contra indivíduos, não em sua capacidade individual, mas enquanto membros de um grupo nacional (Lemkin, 1944:79).

O tribunal determinou que "os acusados conduziram um genocídio sistemático e deliberado – o extermínio de grupos raciais e nacionais - contra poloneses, populações civis de certos territórios ocupados, com o propósito da destruição de raças particulares e classes de pessoas e grupos nacionais, raciais ou religiosos, particularmente judeus, poloneses, ciganos e outros".

O termo cunhado por Lemkin foi, pela primeira vez, usado nessa sentença. Mas o que deve ser compreendido, para além dessa tipificação, são as características singulares do genocídio praticado contra os judeus. Para tanto, é fundamental fazer uma observação: o Holocausto não diz respeito apenas aos judeus. Ele é parte da história humana e seu incidência na história demanda uma capacidade de análise crítica sobre os alicerces da própria civilização moderna e seus valores.

O termo Holocausto traduz, por tradição, embora erroneamente, a palavra hebraica Shoah, (literalmente catástrofe ou hecatombe). Perceber as características singulares da Shoah e de suas conseqüências para a própria existência dos judeus como povo é uma coisa. Afirmar que os judeus foram as únicas vítimas de genocídio cometido pela Alemanha nazista não passa de uma infeliz fabulação e não sei de ninguém que tenha sustentado tamanho disparate. Não esqueçamos: houve genocídios anteriores, no século XX, praticados pelos curdos, persas e turcos contra os assírios (entre 1914 e 1918), pelos turcos contra os armênios (entre 1915 e 1923) e pelos belgas no Congo (entre 1885 e 1920), assim como matanças de ocupação, como a praticada por Mussolini na Etiópia.

Os nazistas tiveram predecessores, sem dúvida. Mas se especializaram nessa atrocidade, porque a tornaram essencial para sua geopolítica racial, fundamentada na agressão militar, numa obstinada determinação de eliminar um povo inteiro e na conquista e "arianização" territorial. Dizimaram massivamente, além de judeus, pessoas de "raças" que consideravam inferiores.

Quanto aos ciganos, a outra raça a ser eliminada da Europa, muito se tem estudado e pesquisado. Em Auschwitz-Birkenau havia três crematórios funcionando diariamente, capazes de incinerar 10 mil seres humanos por dia. Parte das vítimas entre os ciganos foi assassinada nesse campo de morte, outra parte em fuzilamentos, enforcamentos, e atrocidades, como as cometidas contra pessoas (crianças, sobretudo) transformadas em cobaias do staff da ciência médica do 3º Reich, em suas "pesquisas e experiências". Cerca de 250 a 500 mil ciganos foram mortos na Europa ocupada pelos nazistas.

Também os poloneses foram vítimas diferenciadas de extermínio. 4 milhões deles foram dizimados, a imensa maioria de civis. A intelectualidade polonesa foi exterminada, em assassinatos que se seguiram à ocupação do país, em campos de concentração e, depois, nos campos de morte, que começaram a operar na no final de 1941. Centenas de milhares morreram ao serem deslocados, quando seu país foi conquistado e dividido em duas partes - a ocidental, incorporada ao Reich, e a oriental, rebatizada como Governo Geral. A parte ocidental foi despolonizada, e destinada à colonização ariana. Poloneses do território incorporado ao Reich foram progressivamente transferidos para o Governo Geral, onde morreram aos milhares em condições sub-humanas.

Outros grupos humanos foram alvos dessas matanças de proporções inimagináveis. Milhares de Testemunhas de Jeová, por convicção ideológica, homossexuais, prisioneiros políticos e opositores do nazismo, doentes mentais. membros da resistência dos países ocupados; milhões de civis russos e ucranianos – afora os soldados em confrontos militares -, prisioneiros de guerra, em campos de trabalho e de extermínio, além de dezenas de milhares de sérvios, após a invasão da Iugoslávia.


Na Europa Ocidental, onde a ocupação alemã tinha características distintas, a política de extermínio foi praticada apenas contra os judeus e membros da resistência. A hecatombe provocada pelo nazismo - cujo único instrumento de ação política eram o terror e a matança -, sem dúvida, abalou os alicerces da humanidade. Na guerra do Pacífico, o expansionismo japonês foi marcado pela insanidade assassina, causando a morte de 15 milhões de chineses.

Singularidade

O que torna, afinal, o Holocausto, uma catástrofe singular. Responder a essa questão não é tarefa difícil, à primeira vista. No entanto, é preciso fixar limites para a compreensão da categoria da singularidade, quando aplicada a matanças em larga escala, dos quais os judeus, no século XX, não foram as únicas vítimas. Logo, singularidade se distingue de unicidade ou exclusividade. Armênios e assírios foram exterminados no início do século. Bósnios foram alvos de matança coletiva na década de 90. Tutsis de Ruanda e cristãos e animistas do Sudão, da mesma forma, foram exterminados aos milhões pela elite muçulmana sudanesa. O extermínio de chineses na era de Mao e de russos, ucranianos, georgeanos na era de Stalin são hoje suficientemente conhecidos.

É justamente nesse contexto que o genocídio judeu se singulariza. Primeiro, porque contra os judeus foram aplicados os métodos jamais imaginados de extermínio; segundo, porque os judeus foram destinados a desaparecer completamente como povo[4]; terceiro; porque contra os judeus, os nazistas travaram uma guerra racial, sem qualquer outro objetivo que não fosse o de exterminá-los completamente; quarto, porque nunca se configurou uma burocracia e uma indústria voltada para a matança de seres humanos tal como a construída pelos nazistas; quinto: não havia salvação dessa matança, que ocorreu em fases distintas e foi sendo paradoxalmente incrementada na medida em que os alemães percebiam que não tinham mais qualquer chance de vencer a guerra.

Em menos de quatro anos, quase 6 de cerca de 12 milhões de pessoas pertencentes a um grupo étnico-cultural simplesmente foram assassinadas em massa. 4.110 por dia, em média, sem distinção entre homens, mulheres, jovens crianças e velhos. Discute-se, entre historiadores, quando a eliminação total da população judaica foi decidida e tudo indica que Hitler e seus hierarcas tomaram essa decisão logo após a ocupação da Polônia. O genocídio foi iniciado na segunda metade de 1941 e sua implementação foi tema de deliberação específica, como demonstra o documento classificado comoGeheime Reichssache (assunto secreto do Reich), descoberto por assistentes da Promotoria dos EUA, em março de 1947, e utilizado como prova nos julgamentos de criminosos de guerra que se seguiram ao Julgamento de Nuremberg, inclusive no julgamento de Adolf Eichmann.

O documento ficou conhecido como o "Protocolo de Wanssee" e integrava um conjunto de 18 atas (as demais 17 jamais foram recuperadas) lavradas durante uma reunião de 15 altos funcionários do Reich - entre eles Adolf Eichmann, que o secretariou - com Reinhard Heydrich, então o segundo em comando no Sicherheitspiolizei (RSHA - Serviço de Segurança Nacional) e também encarregado dos territórios tchecos ocupados. Heydrich só era subordinado a Heinrich Himmler, Chefe das SS (a Schutztaffel), que se reportava apenas a Hitler.

A reunião foi realizada em 20 de janeiro de 1942, num castelo às margens de um lago Wanssee, a sudoeste de Berlim[5]. O assunto: operacionalizar, em todos os níveis administrativos e logísticos, a solução final para a questão judaica, que já havia iniciado com a construção dos campos de extermínio em Chelmno e Belzec. Em Chelmno, em dezembro de 1941 foram mortos por gás os primeiros judeus. O genocídio tomaria as proporções que hoje conhecemos quando os alemães invadiram a União Soviética, com o propósito de varrer do mundo o bolchevismo e o judaísmo, que eles tinham como irmãos políticos.

Patologia reatualizada

Negar o Holocausto é impossível, embora os esforços da indústria negacionista que opera há 30 anos, metódica e regularmente, nos principais países do mundo. Mas não é apenas no negacionismo que se percebe o renascimento do anti-semitismo. O investimento simultâneo na humanização de Hitler (e de seu regime) e na satanização dos judeus são os extremos da heterofobia anti-semita. Entre tais extremos, há sentimentos mais ou menos intensos, que podem ir da antipatia à aversão, do embaraçado pré-conceito ao preconceito aberto, que não se restringem a fanáticos. Por isto a indústria da mentira gera frutos e não são poucas as pessoas que continuam acreditando que, de alguma forma, os judeus estão no centro causal dos problemas do mundo.

Também por isto, mais fortalecida fica a idéia anti-semita a ponto de ser integrada em programas políticos radicais, de direita, esquerda ou fundamentalistas religiosos, como de fato tem ocorrido na Europa, EUA, Argentina e Brasil, assim como na maior parte dos países do Leste Europeu e nas nações muçulmanas. Os negacionistas repetem que, na década de 40, a Alemanha foi levada à guerra pelos judeus; os campos de extermínio não existiram e o regime hitlerista jamais cometeu as atrocidades que lhe são atribuídas.
Para alguém razoavelmente esclarecido, tais argumentos não passam de chicana repulsiva, mas convém lembrar do alerta de Hannah Arendt: não é a estupidez da idéia ou a desfaçatez dos argumentos, mas sua existência política e o fato dela ser acreditada por muitos que deve nos preocupar. O anti-semitismo, em si mesmo, é um tipo de reducionismo persecutório e racista, mas isso não impediu que se estabilizasse como modalidade amplamente difundida de preconceito ou se materializasse na política, mesmo antes que qualquer coisa parecida com o Holocausto fosse sequer imaginada.
O anti-semita extrovertido e ideologicamente ativo crê na força persuasiva de uma aparição projetiva de sua ideologia. Aparição que usa para tentar convencer ou persuadir pela repetição. Nos anos 50, Hannah Arendt escreveu que o anti-semitismo era uma ofensa ao bom senso, devido à sua condição paradoxal de motivo mistificador insignificante em meio a tantas questões políticas vitais (Arendt: 1998:23). A constatação, sem dúvida válida também hoje, diz respeito a uma ideologia que depende exclusivamente da aparência que seus propagadores produzem, sejam eles demagogos simplesmente ou demagogos fanatizados, que crêem nas mentiras que divulgam. Os anti-semitas autênticos cristalizam a fraude como verdade e fazem dela um "pensamento estereotipado", que dá início à heterofobia ou antagonismo irracional, a que se referiram Marie Jahoda e Nathan W. Ackerman. (1969:26-7).

Por essas discrepâncias que existem na sociedade, muito se sabe e muito ainda se descobre sobre o Holocausto, ao nível da pesquisa sociológica, historiográfica e da reflexão filosófica. O assunto é muito investigado nas universidades e centros de pesquisa da Europa, EUA e Israel. Entretanto, as pessoas em geral são ignorantes sobre o tema, inclusive no meio universitário.

A indiferença intelectual e acadêmica quanto ao negacionismo e, pior, uma certa complacência desses meios com respeito a formas de anti-semitismo que freqüentam meios políticos mais à esquerda é sintomática. Há exceções, mas a regra é esta. Como conseqüência ainda que indireta desse desprezo e dessa complacência, atualmente não se estranha mais que, dependendo da situação e do lugar, não seja difícil dizer que os judeus desejam se apropriar da condição de vítimas do morticínio ou que o número de judeus assassinados é comparativamente exagerado quando confrontado com o número de vítimas das atrocidades cometidas pelos nazistas. Esse tipo de falsidade não é raro e, atualmente, tem sido requisitado por um cada vez mais aceitável anti-sionismo.

Assim, a singularidade do negacionismo reprisa a singularidade do anti-semitismo e se configura como um dogmatismo sociológico. Em vista da ignorância média das pessoas sobre o Holocausto, esse dogmatismo ocupa as margens da institucionalidade acadêmico-científica, como pretensa versão da História, reveladora de "questionamentos e fatos novos" e, desse modo, chega a ser vista como plausível por muitos, como demonstram o crescimento de uma direita radical na Europa e, obviamente, a sua recepção por setores ideologicamente extremistas de esquerda.

Melanie Philips, colunista do Daily Mail, em artigo publicado em 1988 no The Jewish Quarterly (citado por Zygmunt Bauman)[6], expressou o sentimento que recai sobre indivíduos que afirmam seu judaísmo nos meios políticos da esquerda atual, menos instruídos no que diz respeito à condição judaica e seus traços culturais ou nacionais: "Tenho grande prazer em dizer aos meus amigos e conhecidos socialistas" – afirmou ela – "que 'sou de uma minoria étnica' e vê-los se enrolando, histéricos. Como pode ser? Sou poderosa. E a impressão dos socialistas é de que os judeus estão em posição de poder. Eles estão no governo, não estão? Eles dirigem coisas, comandam a indústria, são proprietários de terras" (Phiilips, apudBauman, 1998: 256, n. 12).


A impressão a que Melanie Philips se referia não é apenas de certos tipos de socialistas, ou de quem têm a tendência histórica de ver os judeus como estamento econômico. O sentimento possui características de um fenômeno multicausal, é socialmente espalhado e, em certa medida, chega a ser até "aceitável". Aqueles que sustentam a negação do Holocausto inegavelmente contam com a eficácia deste preconceito, ainda que subjacente e de difícil detecção, quando não estimulado por alguma ideologia específica.

Essa multicausalidade é própria da condição judaica na modernidade, que se revestiu de relevância política despropositada e assumiu contornos de estereótipo persistente, de uma nova tipologia de discriminação intelectual, ideológica e racial, ativa tanto à direita como à esquerda do espectro político, desde o século XIX.

Os comunistas, por exemplo: historicamente, desde os primeiros teóricos do socialismo da metade do século XIX, tiveram problemas conceituais com os judeus (inclusive muitos comunistas judeus). Não é preciso recorrer ao anti-semitismo da era stalinista para chegar a essa conclusão. Ser de esquerda e ser anti-semita não são propriedades incompatíveis, desde Proudhon. Não foi Marx que, em seu período de juventude, escreveu "A Questão Judaica", no qual sustentou uma teoria de afinidade entre o judaísmo e o capitalismo?

De modo geral, a "questão judaica" foi utilizada tanto pela esquerda como pela direita: foi álibi no último período do czarismo russo, dividiu a França no Caso Dreyfus (final do século XIX), foi o centro do anti-semitismo de massas na Áustria e na Alemanha (ligado ao pangermanismo) e até incidiu no fraudulento Plano Cohen, utilizado como um dos pretextos para a implantação do Estado Novo no Brasil.

Atualmente, nos países da Europa Oriental, ex-comunistas, o anti-semitismo se reproduz como mutação da antiga tradição antijudaica clerical, como demonstrou Paul Hockenos (1988). No mundo ocidental do pós-guerra, rearticulou-se o preconceito hostil, amoldando-se a populismos e sistemas de crenças que pretendem explicar problemas complexos, como o conflito entre israelenses e palestinos, por meio de esquematismos irracionais. Em certos casos, quando acentuadamente rígidos e associados a uma causa determinada, tais sistemas acorrem à paranóia da conspiração judaica.

Das novas racionalizações anti-semitas, a mais difundida é o anti-sionismo, agasalhado oficialmente pela esquerda comunista ocidental. No Brasil, introduziu-se em um estrato esquerdista-fundamentalista, ativo no PSTU e no PCO, assim como em tendências ultra-radicais do PT e do MST, onde uma esquerda monástica cumpre papel importante na conformação ideológica de uma revolução campesina e na hostilidade a tudo que representa (estou falando de estereótipo) o capitalismo que escraviza o Terceiro Mundo.

O anti-sionismo é uma fórmula excêntrica, presente nesses meios esquerdistas, como nos setores direitistas e integristas; e - é claro - um motivo preferencial, exaustivamente difundido pelos negacionistas. A fórmula é excêntrica pelas razões expostas com clareza e simplicidade por Yehuda Bauer[7], numa conferência feita nos EUA:

O conflito árabe-israelense, e agora a confrontação entre israelenses e palestinos, fornece amplo material para o anti-semitismo que se vê como anti-sionista e não antijudaico. Certamente, alguém pode ser anti-sionista sem ser anti-semita, mas somente se disser que todos os movimentos nacionais são malignos, e todos os estados nacionais devem ser abolidos. Mas, se alguém diz que o povo das Ilhas Fiji têm o direito de independência, e da mesma forma os malaios ou os bolivianos, mas os judeus não possuem tal direito, então esse alguém é anti-semita e na medida em que exclui os judeus por razões nacionalistas, é anti-semita e sobre ele recai uma forte suspeição de ser racista (Bauer, 2003:2).

A crença na ilegitimidade do Estado de Israel atualiza, no campo do discurso político radical, uma retórica agressiva e mistificatória quando se expressa por meio de seus representantes mais descontrolados. Nesses casos, reúne seu habitual panfletarismo com clichês que busca no negacionismo. Da fusão resultam acusações perturbadas, tais como as que financistas judeus levaram Hitler ao poder, que os sionistas foram aliados do nazismo ou que Göering era judeu.

Melanie Philips, em outro artigo, desta feita publicado no Daily Mail de Londres, em 22 de março de 2003, procurou penetrar mais fundo na caracterização do novo anti-semitismo que se vê legitimado por ser anti-sionista. Para ela, tal fenômeno tem relação com a mentalidade política européia com respeito a Israel:

A Europa estava aguardando, por mais de meio século, um modo de culpar os judeus por sua própria destruição. Assim, ao invés de soar o alarme devido ao ódio genocida islâmico contra os judeus, os europeus têm avidamente adotado a nazificação dos judeus, um processo que de fato teve início com a desastrosa invasão israelense do Líbano, em 1982. Esse fato marcou o início de uma sistemática inversão que faz da autodefesa de Israel uma agressão, juntamente com critérios duplos e fabricações maliciosas que nada têm a ver com a legítima (e necessária) crítica à Israel e tudo a ver com a deslegitimação do estado judeu, juntamente com a disposição pelos seu desmantelamento (Philips, 2003).

Nada, no caso desse anti-semitismo de rejeição à existência de Israel pode ser confundido, como salientaram Bauer e Philips com algum tipo de crítica às políticas israelenses. Essa é outra confusão maliciosa, constantemente reiterada por anti-semitas. A malícia chega a ser grosseira porque uma rápida observação revela que a idéia de anti-sionismo não tem equivalente histórico, especialmente depois da era colonial. Ele não expressa um sentimento contra determinadas práticas ou políticas ou mesmo quanto à hegemonia de um país. Ele em nada é semelhante ao sentimento anti-americano, por exemplo. Você pode ser anti-americano por alguma razão, mas você não pensa que a existência dos EUA é ilegítima. Pessoas podem ter idéias contrárias, fundamentadas ou não, sobre as políticas de qualquer país. Mas não são idéias sobre a legitimidade da existência desse país, seja lá qual for. Ninguém jamais lançou dúvidas sobre a legitimidade da existência da Alemanha ou de Bengaladesh ou de qualquer outra nação.

A exceção é o anti-sionismo, que é permeado pelo preconceito anti-semita. Como tal, suas críticas a Israel são sempre existencialmente comprometidas, ou seja, sempre estão agregadas à agenda da ilegitimidade sionista. Idéia que combina traços de psicopolítica do ódio e conspiranóia, expressões que se aplicam ao anti-semitismo concentrado na rejeição a um estado judeu. Por ser uma deformação ideológica, explica-se porque, entre os disparates já citados e outros, os praticantes desse anti-semitismo de Estado, chegam a acusar os judeus de anti-semitas, de nazistas e a propor comparações paranóides entre a situação atual dos palestinos e a situação dos judeus europeus durante a 2ª Guerra.

Uma característica comum ao negacionismo e ao anti-semitismo de Estado é o uso da malícia semântica. Os judeus são acusados de semitas anti-semitas (sic) porque os palestinos também são semitas (sic) e os territórios palestinos estão ocupados militarmente por judeus. A imagem produzida não poderia ser mais repugnante: judeus oprimindo semitas, como os nazistas faziam.
O sofisma é duplamente pervertido, por causa da sua premissa (pois não há semitas) e da sua desconexa conclusão, segundo a qual os sionistas agem, com relação aos palestinos, como os nazistas. Quando nos defrontamos com esse tipo de insanidade, lembro que fazer ou falar uma bobagem é muito mais fácil do que desfazê-la ou desmenti-la. Assim, tentemos desmontar essa confusão elaborada por propagandistas profissionais.
Os territórios palestinos realmente estão ocupados desde 1967, mas isto não faz dos israelenses anti-semitas e, muito menos, permite que sejam comparados a nazistas, ou pior, ligados a nazistas. A ocupação tem uma história, está inserida num contexto de disputa e não será definitiva; mais ainda: os direitos nacionais do povo palestino à autodeterminação são reconhecidos por todos, inclusive por Israel. O problema é, no entanto, gravíssimo. Ele diz respeito aos israelenses e aos palestinos, além de regionalmente envolver jordanianos, egípcios, sírios e libaneses, assim como as potências internacionais.
De todo modo, só quem não sabe o que foi o nazismo ou o que foi o Holocausto é capaz de comparar a ocupação israelense às ocupações da Alemanha nazista dos territórios que dominou. Para se ter a medida desta comparação, basta constatar que se trata, mais uma vez, de uma comparação em isolamento. Ninguém chama os chineses de nazistas por terem anexado o Tibet, ou os ingleses por ocuparem a Irlanda do Norte, ou os russos porque ocupam a Chechênia, ou os  espanhóis porque não concedem autodeterminação aos bascos, ou os turcos por abafarem as pretensões nacionalistas dos curdos, ou os sírios, por ocuparem militarmente parte do território libanês.
Da mesma forma, é absurda a alegação de que judeus sionistas oprimem um povo semita (os palestinos). Do ponto de vista social, cultural ou político, o termo semita não tem sentido, pois não há semitas, a não ser que se deseje discutir lingüística, porque a língua árabe e a língua hebraica (próximas entre si como o francês e o português), pertencem ao mesmo tronco. Nesse sentido - o único coerente-, ser semita é como ser falante de uma língua que pertence a um mesmo tronco lingüístico. Seria o mesmo que ser anti-latinista ou anti-swaili.

O anti-semitismo é um preconceito e o que define o termo o é o seu uso social, político e cultural. "'Anti-semitismo' representa o ressentimento contra os judeus.e refere-se à concepção dos judeus como um grupo estranho, hostil e indesejável e às práticas que derivam dessa concepção e a sustentam" (Bauman, 1988:54).
Anti-semitismo é sinônimo de antijudaísmo. Utilizá-lo em qualquer outro sentido é fazer o jogo de palavras dos anti-semitas, que acusam os judeus enquanto povo ou os sionistas (isoladamente há obviamente indivíduos judeus anti-semitas e anti-sionistas) de anti-semitismo. Na época em que foi concebido, o termo "anti-semita" foi circunscrito pela especificidade anti-judaica, como Bauer elucida:

O termo "anti-semitismo" é, como muitos de nós percebemos, o termo errado para aquilo que tentamos descrever e analisar. Ele foi cunhado, paradoxalmente, por um anti-semita, Wilhelm Marr, em 1879, porque ele necessitava de um novo termo para [designar] o ódio aos judeus. O antigo, Judenhass, era identificado como um termo de apelo cristão, basicamente teológico, e Marr era anticristão, porque o cristianismo fora, e nisso ele estava correto, uma invenção judaica. O novo termo soava científico, não mencionava judeus, mas todos sabiam o que ele significava e a quem era dirigido: ele descrevia um fenômeno recentemente desenvolvido, de abordagem nacionalista e bio-racial. Anti-semitismo, especialmente tal como pronunciado, é um absurdo vazio, porque não existe semitismo contra o qual você possa ser. Existem linguagens semíticas e dificilmente você pode ser contra linguagens semíticas. Passamos a usar "anti-semitismo" para descrever a aversão aos judeus desde os dias de Manetho, o sacerdote egípcio de cerca de 300 A.C., cujos comentários sobre os judeus formavam uma combinação de desprezo e ódio, provavelmente motivado pelo assentamento dos judeus em Alexandria. Não há diferenciação no [uso do] termo anti-semitismo, entre um ódio leve, moderado ou radical contra os judeus, ou um fenômeno que pode ser facilmente explicado por uma aversão geral a estrangeiros ou ainda um ódio ou aversão concentrados nos judeus.
O termo é apropriado apenas ao ódio aos judeus לאשי תאנש, desde aproximadamente a metade do século XIX. Mesmo então, a mistura da oposição cristã e muçulmana aos judeus, da inveja econômica e à competitividade tradicional e dos motivos bio-raciais e nacionalistas ideológicos, torna difícil incluir tudo isso nesse termo essencialmente errôneo. Ele traz confusão a programas de pesquisa, assim como interfere com objetivos de diferenciação. De qualquer modo, todos o usamos, simplesmente porque não elaboramos uma terminologia apropriada. Assim, mesmo sabendo que estamos falando de um absurdo quando usamos o termo, que o usemos,faute de mieux. (Bauer, 2003:1).

O anti-semitismo é um fenômeno da modernidade e tal como é hoje praticado, expressa confusa e cumulativamente tanto o antigo ódio ou desprezo aos judeus como o preconceito que deixou de ser motivado por uma apologética religiosa e entrou para a política por meio de uma modalidade "científica". O jargão negacionista e anti-semita reproduz intencionalmente atavismos discriminatórios e faz uso de simulações semânticas esdrúxulas, que servem a extremistas, de direita e de esquerda. Como propaganda continua alimentando uma retórica que se mostra especialmente exacerbada e fantasiosa junto aos grupos radicais e fundamentalistas, desde o Irã até os  conhecidos HamasHezbolá e Jihad Islâmica[8].

O anti-sionismo é uma heterofobia de Estado, movido pela crença na ilegitimidade de Israel, que assim personifica um judeu coletivo. Esse desvio de compreensão política se faz ouvir por vozes de intelectuais de uma esquerda supersticiosa e por seu chamado jornalismo de tendência – o melhor exemplo, no Brasil é a revista Caros Amigos; e quando não é insinuado, é defendido abertamente por uma intelectualidade orgânica ligada a esta esquerda emburrada (nos dois sentidos), que se imagina fortalecida, quando, em verdade, mostra apenas que está empanturrada do velho e pernicioso anti-semitismo.

[1] Bartov  refere-se ao testemunho de David Wodowinski, no julgamento de Adolf Eichmann, registrado na página 1117 da coletânea The Attorney General against Adolf Eichmann:Testimonies, vol. 2 (Jerusalem, 1974- hebraico), citado no livro de D. Michman, The Holocaust and Holocaust Research: Conceptualization, Terminology and Basic Issues, Tel Aviv, 1998, p. 232. Kadish é o nome da  prece dedicada aos mortos, na religião judaica.
[2] Sobre os mischlinge, Ver Raul Hilberg, The Destruction of the Eurupean Jews, New-York – London, Holmes and Meyer, 1985 e mais detalhadamente, Bryan Mark Rigg, Os soldados judeus de Hitler, Imago, Rio de Janeiro, 2003.
[3] Foram mortos cerca de 18 milhões de civis europeus durante a guerra. Um em cada três era judeu.Para detalhes sobre o número de vítimas e sobre como se processou o Holocausto desde o início da guerra, cf. Raul Hilberg, op. cit. e Yehuda Bauer, A History of the Holocaust, New York, Franklin Wats, 1982.
[4] A documentação da hecatombe é vasta, bem como o testemunho de sobreviventes e de agentes do extermínio. Algumas das obras mais importantes da histografia crítica  sobre o assunto estão referidas na bibliografia que acompanha os ensaios dessa coletânea.
[5] Para maiores detalhes da reunião, ver Mark Roseman, Os Nazistas e a Solução Final. A conspiração de Wanssee: do assassinato em massa ao genocídio, RJ, Jorge Zahar, 2002.
[6] Cf. Zygmunt Bauman, A Modernidade e o Holocausto, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1998. pp. 57-82.
[7] Autor de uma vasta obra sobre o Holocausto e o anti-semitismo, Yehuda Bauer escreveu, entre outros, Antisemitism today: Myth and RealityJerusalem: Hebrew University. Institute of Contemporary Jewry, 1985; A history of the Holocaust.New York: Franklin Watts, 1982; Jews for sale?: Nazi-Jewish negotiations, 1933-1945. New Haven: Yale University Press, 1994 e Rethinking the Holocaust,New Haven, Yale University. 2001.
[8] Deve-se registrar que há intelectuais árabes e  palestinos que sempre denunciaram o anti-semitismo e o negacionismo. Um dos mais conhecidos, Edward Said, faleceu em 2003. Quanto à  incorporação ideológica do anti-semitismo no mundo árabe, cito dois exemplos: o primeiro em nível programático e o segundo em nível de mídia de massa. Em 19 de agosto de 2003, um dos líderes principais do Hamas, Abdal Aziz Al Rantizi, publicou o artigo "Qual é o pior - O Sionismo ou o Nazismo?", no seu site (www.rantisi.net ) no qual cita os negacionistas Roger Garaudy e David Irving para sustentar que o Holocausto não ocorreu e que os sionistas colaboraram com os nazistas. Segundo ele, financistas judeus e bancos sionistas ajudaram os nazistas a chegar ao poder com grandes contribuições em dinheiro. O objetivo dos sionistas era, segundo Rantizi, aterrorizar os judeus a ponto de fazê-los migrar para a Palestina. No segundo caso, Em 2002, uma série em 41 capítulos foi exibida na televisão egípcia, que apresentava como verdadeiros os Protocolos dos Sábios de Sião. A imprensa egípcia registrou protestos de alguns intelectuais egípcios contra a série, que alertavam para o uso político de uma fraude e de métodos de propaganda racista, ao mesmo tempo em que configurava um erro tático, pois o Egito mantêm relações com Israel, que embora congeladas, em virtude dos últimos dois anos de sangrento conflito entre israelenses e palestinos, esse país não rompeu nem pretende romper.

Fontes: http://www.espacoacademico.com.br/043/43cmilman.htm
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sábado, 26 de janeiro de 2013

Comunidade judaica paulista promove evento pelo Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto

Vídeo mostra discurso do Secretário-geral da ONU sobre a Resolução 60/7, que instituiu o Dia Internacional em memória às Vítimas do Holocausto, que rejeita qualquer questionamento de que o Holocausto foi apenas um evento histórico, enfatiza o dever dos Estados-membros da ONU de educar futuras gerações sobre os horrores do genocídio e condena todas as manifestações de intolerância ou violência baseadas em origem étnica ou crença.


O Dia Internacional em memória das Vítimas do Holocausto, comemorado anualmente no dia 27 de janeiro, foi criado pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, através da resolução 60/7 de 1 de novembro de 2005.
Na cidade de São Paulo, a lei de autoria do vereador Floriano Pesaro, que institui um dia em memória às vítimas do Holocausto, foi sancionada no dia 12 de dezembro de 2009, sendo desde então uma data oficial do calendário de São Paulo. sendo desde entlbertrto Kassab

Dentre os eventos em memória das Vítimas do Holocausto, no dia 27 de Janeiro, domingo, a Federação Israelita do Estado de São Paulo e a Congregação Israelita Paulista (CIP), em parceria com a UNIBES e Consulado Geral de Israel em São Paulo, promovem, às 19h, na Sinagoga da CIP, na Rua Antonio Carlos, 653, um ato solene em memória às vítimas do Holocausto. O evento conta com o apoio das Comunidades Beth-El e Shalom, KKL BRASIL e Sherit Hapleitá. A

Além de lideranças judaicas e de sobreviventes do Holocausto, o evento contará com o presença de autoridades políticas, religiosas e comunitárias como o governador Geraldo Alckmin, o prefeito Fernando Haddad, o ministro da saúde, Alexandre Padilha e o Cardeal Dom Odilo Scherer, entre outros. Também estará presente o apresentador Otávio Mesquita que será homenageado pela série de reportagens que fez em Israel para o Programa Claquete (TV Bandeirantes).

Fui convidado a participar na qualidade de presidente da ABLIRC – Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania. Levaremos nossa solidariedade à comunidade judaica nessa data que nos lembra os horrores que podem decorrer da intolerância e do preconceito.

Como neste ano a data coincide com Tu Bishvat (festividade que comemora o ano novo das árvores no calendário judaico), os sobreviventes do Holocausto ganharão do KKL BRASIL um certificado de que um plantio de árvores será realizado em sua homenagem em Israel, simbolizando a continuidade e a vida. Uma benção interreligiosa ocorrerá com representantes de outras religiões e minorias que sofreram ou sofrem preconceito. No hall da entidade também acontecerá a inauguração da exposição “Sublime: o poder da arte na vida do sobrevivente da Shoah”, reunindo obras de artistas sobreviventes do Holocausto, cadastrados na agência Claims Conferece/UNIBES que permanecerá em cartaz na CIP por mais uma semana após o evento.

A referida resolução da ONU 60/7 rejeita qualquer questionamento de que o Holocausto foi um evento histórico, enfatiza o dever dos Estados-membros de educar futuras gerações sobre os horrores do genocídio e condena todas as manifestações de intolerância ou violência baseadas em origem étnica ou crença.

Fontes: Web Judaica
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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Liberdade religiosa e a não discriminação indireta

Direito Comparado

Otavio Luiz Rodrigues Junior
A situação dos adventistas do sétimo dia (e dos judeus) e a alteração de data de concursos públicos marcados para sábados foi destacada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para exame em repercussão geral, nos autos do RE 611.874, de relatoria do ministro Dias Toffoli. Trata-se de matéria de grande relevância, tanto para os adeptos desses credos, quanto para a delimitação desse direito fundamental.

Na coluna da última semana, analisou-se a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH no caso Eweida and Others v. the United Kingdom, de 15 de janeiro de 2013 [ECHR 12(2013)], no qual se afirmou a prevalência do princípio da não discriminação indireta no âmbito da liberdade religiosa.[1] 

É interessante retomar esse assunto, pois, no mesmo julgamento, a Corte também apreciou duas outras situações, uma delas bastante idêntica à pretensão da britânica Nadia Eweida, ligadas ao problema da religião e sua manifestação nos ambientes laborais.

Como exposto na coluna anterior, Nadia Eweida era empregada da British Airways e foi suspensa por se recusar a seguir o código de condutas da companhia, que não permitia o uso de símbolos ou adereços religiosos, além do uniforme. Ela ostentava um crucifixo, de modo visível, o que foi considerado pela empresa como uma quebra das normas internas.

A decisão da Corte Europeia, que contrariou o entendimento dos tribunais trabalhistas britânicos, favoreceu Nadia Eweida e foi além da mera proibição de discriminações diretas à liberdade religiosa, por definir que o empregador haveria ponderado inadequadamente o conflito entre seu direito potestativo de ordenação das atividades de seus empregados e a liberdade de exteriorizar a religião, especialmente por inexistir norma protetiva específica no Direito interno.

A CEDH também examinou, no mesmo julgamento, um recurso de Shirley Chaplin, uma enfermeira britânica de 56 anos, que trabalhava no Royal Devon and Exeter Hospital. Após uma carreira de 30 anos no hospital, a Sra. Chaplin foi advertida de que não poderia mais usar um crucifixo durante suas atividades profissionais. Segundo o empregador, a restrição baseava-se em normas internas, voltadas à proteção sanitária dos pacientes. A enfermeira contra-argumentou que o cordão com a cruz era uma forma de exteriorizar sua fé cristã. Ademais, a proibição tornava aparente a ideia de que ela usava a cruz com o desiderato de pôr em risco a vida dos pacientes, o que, na verdade, era uma simples forma de expressão de sua liberdade religiosa.

O hospital, que é uma instituição de caráter público, também sustentou a tese de que seguira estritamente as normas do Ministério da Saúde britânico, segundo as quais, para se minorar os riscos de infecção hospitalar, o uso de joias por profissionais da saúde, durante suas atividades, deve ser reduzido ao mínimo. Há proibição específica para cordões, colares e piercings faciais. Os eventuais interessados em usar roupas ou joias por razões de natureza religiosa ou cultural, nos termos do que imposto pelo Ministério da Saúde, deveriam levar a questão a seu superior, o qual poderia negar esse pedido, desde que fundado em motivos razoáveis.

A questão foi judicializada e os tribunais trabalhistas britânicos rejeitaram a pretensão da enfermeira Chaplin. Na instrução, provou-se que, por motivos de segurança e de saúde, outra enfermeira cristã e dois enfermeiros Sikhs foram proibidos de usar joias indicativas de suas religiões. Com a mudança dos uniformes em 2007, os quais passaram a ter uma gola em V, a chefe de Shirley Chaplin pediu-lhe que retirasse o crucifixo e daí nasceu a controvérsia.

Levada a questão à CEDH, o julgamento foi contrário ao recurso de Shirley Chaplin. É conveniente realçar que a Corte se valeu de uma técnica muito próxima da que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha emprega em casos polêmicos: escolhem-se dois recursos com elementos descritivos muito similares (como se dá com a pretensão de Nadia Eweida e de Shirley Chaplin), mas com algum detalhe que os diferencia, e, com base nessa diferença, chega-se a dois tipos diferentes de conclusões, o que permite dilatar os fundamentos do acórdão para múltiplas hipóteses de fato. Essa técnica é bem perceptível no acórdão da CEDH, pois são constantemente comparados os recursos de Eweida e Chaplin.

Pode-se assim apresentar uma resenha da fundamentação do acórdão quanto ao recurso de Shirley Chaplin:

1. As regras quanto ao uniforme dos profissionais de saúde foram estabelecidas pelo governo e se pautaram por critérios objetivamente aferíveis e razoáveis (segurança sanitária e dos pacientes), além de estabelecerem alguma margem de discricionariedade para as chefias imediatas, o que, a depender de argumentos e circunstâncias aceitáveis, poderia abrandar o nível de restrição ao uso de objetos e adereços pessoais. Ficou devidamente provado, nos julgamentos ocorridos na Justiça trabalhista, que havia efetivo risco para os pacientes e para a enfermeira, se ela fosse admitida a trabalhar com o crucifixo (v.g., algum paciente puxar o objeto; o crucifixo entrar em contato com alguma ferida).

2. Não houve atitude discriminatória em relação à enfermeira Chaplin, pois, diferentemente do caso de Nadia Eweida, que comprovou o tratamento diferenciado (e mais favorável) em relação a colegas de outras religiões, o hospital proibiu outros empregados (cristãos e não cristãos) de usarem joias de caráter religioso. Ademais, como forma de se evidenciar a ausência de caráter restritivo à expressão pública da fé, o hospital abriu a possibilidade de que a enfermeira usasse um broche com uma cruz, o que foi por ela recusado.

3. A restrição, diferentemente da aplicada à aeroviária Nadia Eweida, foi oriunda de um agente público (os dirigentes dos Royal Devon and Exeter Hospital), o que torna sua incidência coerente com uma ação estatal.

A CEDH, portanto, rejeitou as teses de discriminação religiosa direta ou indireta, afastando-se, de maneira sensível, das conclusões apresentadas no capítulo do acórdão relativo à empregada da British Airways.

A fundamentação do acórdão, no que se refere aos capítulos de Nadia Eweida e de Shirley Chaplin, é bastante limitada. Em relação à primeira recorrente, a CEDH admitiu existir discriminação indireta porque não houve ponderação adequada entre a liberdade de expressão e o controle normativo (e potestativo) dos empregados. Quanto à enfermeira do hospital público, a ponderação ocorreu e foi pautada pela razoável colocação em preeminência da proteção sanitária. A complexidade da questão exigiria, por certo, uma fundamentação mais sofisticada.

Como já se criticou nesta coluna, em não poucas vezes, a CEDH não se constitui em uma fonte primorosa de precedentes. Em muitos julgamentos, parece que o senso-comum ou uma tentativa de se forjar um “consenso sobreposto europeu” substituem os critérios de decisão baseados em técnicas analíticas (de matriz kelseniana ou hartiana) ou argumentativas (radicadas nos estudos de Robert Alexy, para não citar outros autores). A ponderação, no caso Eweida and Others v. the United Kingdom, mais pareceu um recurso retórico do que um meio eficaz de persuasão racional e de legitimidade dos resultados do acórdão. Dito de outro modo, se comparados os capítulos Eweida (discriminação indireta) e Chaplin (ausência de discriminação direta ou indireta), ter-se-á um desenho mais consequencialista do que propriamente um perfil argumentativo.

Essa crítica foi também formulada quanto à fundamentação do acórdão Leyla Sahin v. Turkey, de 10 de novembro de 2005. Nesse julgado, a CEDH manteve decisão do Tribunal Constitucional da Turquia, que considerou a proibição do uso do véu islâmico nas universidades locais, então em vigor naquele país, era compatível com o direito fundamental à liberdade religiosa. Conforme aponta Raphael Peixoto de Paula Marques, em erudito estudo sobre o caso, a CEDH “concluiu que as autoridades turcas estariam melhor habilitadas para realizar esse balanceamento de direitos fundamentais, já que ‘não é possível discernir através da Europa uma concepção uniforme do significado da religião na sociedade’”.[2]

Sopesar, balancear ou ponderar, a despeito da diferença entre essas operações, até por sua concepção teórica diversificada, ora tributárias a Robert Alexy, ora encontráveis em Ronald Dworkin, em muitos casos são meros simulacros de um decisionismo consequencialista ou, o pior, populista, como tem apontado com elegância Néviton Guedes, em suas colunas neste espaço.



 No Brasil, ainda estão por se resolver grandes questões sobre a existência de um núcleo essencial do direito fundamental à liberdade religiosa. A situação dos adventistas do sétimo dia (e dos judeus) e a alteração de data de concursos públicos marcados para sábados foi destacada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para exame em repercussão geral, nos autos do RE 611.874, de relatoria do ministro Dias Toffoli. Trata-se de matéria de grande relevância, tanto para os adeptos desses credos, quanto para a delimitação desse direito fundamental.
É de se recordar que o Plenário do STF, no julgamento do STA 389 AgR, relator ministro Gilmar Mendes, em juízo delibatório, deu preeminência ao princípio da isonomia em face da liberdade religiosa de estudantes de fé mosaica, que pretendiam alterar a data do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a fim de que se preservasse o descanso do Shabat.[3]
É óbvio que o tipo de procedimento (suspensão de tutela antecipada) e a forma (declaradamente) perfunctória da apreciação da controvérsia não permitem dilatar as conclusões desse julgado e dele extrair o pensamento da Corte sobre o tema. Ademais, examinando-se o objeto da demanda, fica nítido que não se discutiu a tese da não discriminação indireta, tão relevante para a solução de Eweida and Others v. the United Kingdom.

O primado da não discriminação indireta deve ser também considerado nas controvérsias sobre os limites da liberdade religiosa. O caso Eweida and Others v. the United Kingdom é uma importante contribuição para esse debate, especialmente por fornecer duas diferentes soluções, com elementos descritos muito aproximados. Só se espera que o STF não caia na armadilha da utilização da técnica de ponderação para esconder uma decisão consequencialista ou principialista, sem compromissos mais sérios com o exame crítico da coerência de suas conclusões.

[1] Disponível em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-115881. Acesso em 15-1-2013.

[2] MARQUES, Raphael Peixoto de Paula. Quem tem direito ao uso do véu? Secularismo e liberdade religiosa em Sahin V. Turquia. Revista General de Derecho Constitucional. v. 15, p. 1-20,  2012.

Disponível em http://www.iustel.com/v2/revistas/detalle_revista.asp?id_noticia=412522. Acesso em 20.1.2013.

[3] STA 389 AgR, Relator(a): Min. Gilmar Mendes (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2009, DJe-086 14-05-2010. RT v. 99, n. 900, 2010, p. 125-135. Essa argumentação também foi utilizada pelo STJ, em acórdão mais antigo: “O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital, critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os candidatos” (STJ.RMS 16.107/PA, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 31/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 555)

 Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).

Fontes: Revista Consultor Jurídico
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